sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Star Wars


O universo futurista da série Star Wars nasceu da leitura de um livro. Não, o diretor George Lucas não leu um romance e decidiu levá-lo às telas. Ele tomou contato com um dos mais ilustres seguidores das idéias controversas do gênio da Psicanálise, Carl Gustav Jung, ao ler o livro “O Poder do Mito”. Na obra, Joseph Cambell aplicou a teoria do inconsciente coletivo e seus arquétipos (a idéia mais original e polêmica de Jung) aos produtos da indústria cultural, em especial os filmes. Para Cambell, os filmes mais importantes, e de maior apelo popular, eram aqueles que contavam histórias baseadas mais claramente em arquétipos.
Cabe aqui uma explicação rápida. Inconsciente coletivo seria, para Jung, um repositório mental de informações compartilhadas por toda a humanidade, em qualquer lugar ou época. Já os arquétipos seriam formas espirituais, retiradas desse inconsciente coletivo, que habitariam diferentes “carcaças” em cada época e cultura diferente. Ou seja, para Jung e Cambell, e agora Lucas, toda e qualquer história seria composta pelos mesmos personagens, só que com rostos, corpos e roupas diferentes.
Era 1974. De posse da idéia, George Lucas começou a desenvolver seu próprio universo, colando uma infinidade de referências que amava. Ele era fã de faroestes, de seriados de TV dos anos 1930, de Akira Kurosawa (e da cultura samurai em geral), de religiões orientais, de budismo, de mundos futuristas, de filmes no estilo capa-e-espada. Unindo todas essas influências (e muitas outras), Lucas escreveu a saga de um rapaz chamado Anakin Starkiller, um sujeito com poderes especiais destinado a salvar o universo (assim como Jesus Cristo). Mas a idéia ainda levaria algum tempo para ser desenvolvida.
Anakin, por exemplo, seria desdobrado em dois personagens, um mentor e um aprendiz, para seguir mais fielmente o esquema dos arquétipos de Jung. O mentor ganhou o nome de Obi-Wan Kenobi; o aprendiz teve o sobrenome trocado para algo mais suave, Anakin Skywalker. Mas George Lucas queria explorar melhor a idéia de sincronicidade (outro conceito de Jung), e por isso inventou que Anakin teria dois filhos gêmeos que seriam criados em separado e se reencontrariam por acaso. Nasciam Leia e Luke Skywalker. Nascia também o “Guerra nas Estrelas” original.
O melhor exemplo da colagem cultural em que se transformou o novo universo de George Lucas está na figura do cavaleiro Jedi. Os Jedi são um exército encarregado de manter a paz em todas as galárias. Eles foram inspirados pelos Templários, se vestem como monges franciscanos, se comunicam em preceitos budistas e têm um código de honra emprestado dos samurai. Além disso, manejam espadas de raios lases com perícia e têm a habilidade de controlar a Força, espécie de impulso vital que envolve todos os seres vivos e inanimados do universo.
Cheio de idéias na cabeça, Lucas logo percebeu que o mundo futurista que desejava não seria possível para um iniciante, por exigir efeitos especiais muito caros. Por isso, decidiu dirigir dois filmes para aprendizagem (“THX-1138” e “American Graffiti”), e conseguiu que a Fox liberase U$ 1 milhão para a criação da primeira firma especializada em efeitos especiais de Hollywood, a Industrial Light & Magic. Mesmo assim, a produção de “Star Wars – Uma Nova Esperança”, lançado em 1977, foi um parto.
Lucas gastou muito mais dinheiro do que o estúdio previa. Cansado das ameaças de demissão, ele fez um acordo: abriria mão do salário em troca dos direitos de uso da marca Star Wars, tanto em futuros filmes quanto em material de merchandising. A Fox gostou tanto da idéia que permitiu que Lucas virasse dono da IL&M. Nem ele sabia, mas estava dando um passo crucial para o futuro.
“Uma Nova Esperança” estreou no verão de 1977 e mudou o cinema para sempre. Para começar, se tornou a maior bilheteria da história, com folga. Os filmes, até então feitos para um público mais adulto e masculino, passaram a seguir os seus passos, mirando os adolescentes. A IL&M logo virou uma empresa milionária que todos os novos produtores de filmes de aventura queriam contratar. E, pela primeira vez, um filme conseguia faturar horrores com merchandising (camisas, bonecos, naves de brinquedo, revistas em quadrinhos).
Para Lucas, o melhor de tudo é que os contratos estipulavam que ele seria dono de tudo relacionado a “Star Wars”. Ele fechou contrato de distribuição com a Fox e produziu os dois filmes seguintes da trilogia planejada, “O Império Contra-Ataca” (1980) e “O Retorno de Jedi” (1983), com dinheiro do próprio bolso. Faturou quase US$ 2 bilhões só com os filmes, lançando também livros, camisas e até álbuns de figurinhas, e ficou multimilionário. De quebra, fez o cinema avançar algumas décadas em termos de utilização de efeitos especiais. A IL&M foi a primeira empresa a usar o computador para ajudar a criar efeitos especiais. Dali para a frente, tudo seria possível.
No entanto, o Lucas cineasta foi dando lugar a outras personas. O Lucas produtor fez, entre outras coisas, a trilogia Indiana Jones, com o amigo de faculdade Steven Spielberg como diretor. O Lucas empresário tocou a IL&M com maestria. E o Lucas cineasta foi, aos poucos, entrando em aposentadoria compulsória. Após quase ter um colapso nervoso durante as filmagens de “Uma Nova Esperança”, ele jurou nunca mais dirigir outro filme. Nos dois capítulos seguintes da trilogia, apenas escreveu os roteiros e produziu.
A coisa mudou para “A Ameaça Fantasma”, em 1999. Mais de 20 anos após o primeiro filme da série, Lucas chegava à conclusão de que precisava retomar a história do personagem original, Anakin Skywalker, em uma nova trilogia, que se passava décadas antes dos três primeiros filmes. Os avanços da tecnologia digital, que lhe permitiram filmar e editar usando apénas computadores e câmeras digitais, tornavam qualquer idéia possível. E ele queria voltar a dirigir. Fez isso. O sucesso não foi tão avassalador, mas ainda assim milhões de pessoas entraram nas filas dos cinemas para conferir a obra.
Antes, em 1997, Lucas restaurou os três filmes anteriores, acrescentou efeitos digitais e novas cenas, e lançou-os nos cinemas. Sucesso total. Era a certeza que ele precisava para lançar a nova tecnologia. “A Ameaça Fantasma”, em 1999, ouriçava os velhos fãs com enormes cenários digitais; naquele filme, apenas duas tomadas chegaram a usar película, com toda a captação sendo feita em câmeras digitais.
Para “Ataque dos Clones”, de 2002, Lucas mandou criar novas e poderosas câmeras, além de lentes digitais, de altíssima qualidade, e fez o primeiro filme feito de forma 100% digital, sem uso de película. “A Vingança dos Sith” fecha essa odisséia com chave de ouro, consolidando Lucas como um visionário que tem espírito de criança. Assim como nós, espectadores.

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